sábado, 10 de maio de 2008

Ser mãe a tempo inteiro é cada vez mais uma profissão adiada em Portugal

Natália Faria, in Jornal Público


Em Espanha, mais de 33 mil mulheres deixaram de trabalhar em 2007 para cuidar dos filhos. Em Portugal serão poucas, por razões financeiras e de autonomia, dizem os especialistas

As mulheres portuguesas que optam por ser mães vão ter a vida mais facilitada no tocante às tarefas domésticas e à conciliação da família com o trabalho. A revisão do Código do Trabalho, que está ainda em negociação com os parceiros sociais, propõe novos incentivos à presença do pai em casa nos meses a seguir ao parto e a possibilidade de alargamento da licença parental até aos 12 meses, desde que partilhada pelos cônjuges. Mas isso poderá não chegar para alterar o actual estado de coisas - em Portugal, serão muito poucas as mulheres que deixam de trabalhar para cuidar dos filhos.

"É um grande impulso e um momento de progressão ao nível da igualdade de oportunidades entre pais e mães", congratula-se Glória Rebelo, professora universitária e investigadora, para quem estas medidas ajudam a mitigar as dificuldades de um país que apresenta das maiores taxas de emprego feminino e uma taxa de natalidade de apenas 1,4 crianças por mulher, ou seja, insuficiente para assegurar a substituição das gerações.

Mais tempo para os filhos
Se as novas regras forem aprovadas, a partir de 1 de Janeiro de 2009 continuará a ser possível uma licença de quatro meses paga a 100 por cento do salário bruto ou de cinco meses paga a 80 por cento, se for gozada pela mãe ou se o pai gozar menos de um mês. A novidade é que passa a haver a possibilidade de cinco meses de licença com remuneração a 100 por cento ou então de seis meses com 83 por cento da remuneração. Mas isto apenas se pelo menos um dos meses for gozado de forma exclusiva por um dos progenitores. Estes passam ainda a poder alongar a licença por mais três meses cada um, mas com uma prestação equivalente a apenas 25 por centro do salário bruto e desde que seja logo após a licença de parentalidade inicial. Na prática, passará a ser possível ficar em casa 12 meses, embora com redução da prestação.

Outra das novidades é o aumento de cinco para dez dias úteis da licença a gozar obrigatoriamente pelo pai a seguir ao parto. Os pais poderão ainda usufruir de mais dez dias opcionais, pagos a 100 por cento, em simultâneo com a mãe. "É um incentivo que o Governo quer dar para uma licença que era muito pouco gozada até aqui", louva Glória Rebelo, recordando os dados resultantes de um inquérito que fez em 2007 para a UGT e que mostram que, em 2006, apenas 36 dos pais inquiridos tinham gozado aquela licença.

Outra das novidades é que, se a mãe ou o pai optarem por passar a trabalhar a tempo parcial para acompanhar os filhos menores, as contribuições para a Segurança Social passarão a contar como se de trabalho a tempo inteiro se tratasse. Neste ponto, Glória Rebelo considera o incentivo insuficiente e defende que os incentivos à maternidade deviam também inscrever-se em sede de IRS, "sobretudo nas despesas de educação".

Não há números oficiais
A preocupação entende-se se considerarmos que as razões financeiras são um dos motivos que levam a que tantas mulheres portuguesas se esforcem por conciliar a maternidade com o trabalho fora de casa. No ano passado, em Espanha, mais de 33 mil mulheres deixaram de trabalhar para cuidar dos filhos, segundo números avançados no início deste mês pelo Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais. Por cá, essa estatística não existe, na mesma medida em que não existem incentivos financeiros para tal. Mas os dados recolhidos pela socióloga Karin Wall, coordenadora do trabalho Família e Género em Portugal e na Europa, mostram que a taxa de actividade feminina em idade fértil não parou de aumentar desde 1960. "Em Portugal, 75 por cento das mulheres com crianças abaixo dos 12 anos trabalham. Em Espanha, a percentagem é de 51 por cento", afirma.

A necessidade de ter dois salários em casa não é o único motivo que mantém as mulheres a trabalhar fora de casa. "As mulheres começaram a valorizar a sua inserção no mercado de trabalho porque isso lhes deu independência económica e fez com que deixassem de estar tão isoladas socialmente", sublinha Karin Wall, recordando que essa conquista começou a partir de 1960, à boleia da emigração masculina, da guerra colonial e do aumento dos serviços. Meio século depois, as mulheres portuguesas não parecem dispostas a arrepiar caminho. E a prova é que, num inquérito recente, lhes foi perguntado se gostariam de ficar dois anos em casa a seguir ao parto e a maioria respondeu não. "Foi uma resposta que me surpreendeu mas que mostra que o trabalho feminino ganhou legitimidade política e social", explica a socióloga Sofia Aboim, autora de vários trabalhos sobre as questões do género e da família.

Porque a mudança foi muito repentina, como nota Aboim, a mentalidade portuguesa continua carregada de ambivalências. "Em Portugal, o trabalho é tido como muito importante mas a ideia de que as mulheres deviam ficar em casa a cuidar dos filhos também. Há mais portuguesas do que suecas a trabalhar a tempo inteiro e aqui aproximamo-nos dos valores do Norte da Europa, mas, ao mesmo tempo, as mulheres culpabilizam-se e vivem angustiadas por sentirem que o trabalho prejudica as crianças", enfatiza, considerando que a solução passa por "por promover o trabalho a tempo parcial e por implementar horários mais flexíveis".


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