sábado, 10 de maio de 2008

É preciso levar os jovens a optar pelas profissões tradicionais

Abel Coentrão e Rute Marinho, in Jornal Público

Avelino Leite considera que uma licenciatura pode não ser, em muitos casos, a melhor escolha, tendo em conta a vida profissional futura

Avelino Leite, de 52 anos, é o delegado regional do Instituto de Emprego e Formação Profissional há três anos. O seu primeiro emprego foi na União de Sindicatos de Braga, onde esteve mais de 20 anos, desde Janeiro de 1975. Já no IEFP, no final da década de 90, coordenou os primeiros projectos-piloto do rendimento mínimo garantido, no Vale do Ave. Entrevista PÚBLICO/Rádio Nova com um "corredor de fundo" do universo laboral, que está a ler Obama e a sua esperança para a América e que nos tempos livres adora caminhar.

Em 34 anos, o que mais o surpreendeu pela positiva no mundo do trabalho?
Bom, se calhar não tive muitas surpresas pela positiva. Vivi experiências riquíssimas, até porque comecei a trabalhar no pós-25 de Abril, naquele tempo de esperança e entusiasmo. Vivi momentos duros, com as lutas pela e contra a unicidade sindical, o aparecimento de uma nova central sindical e de novos sindicatos, muitos deles rotulados de paralelos. Mas tenho de concluir que não houve grandes ganhos para os trabalhadores mas que se fizeram grandes desenvolvimentos noutras áreas, como a das condições de trabalho. Um dos problemas com que nos deparamos no IEFP é convencer os jovens de que algumas profissões e indústrias tradicionais já não são aquelas em que os seus pais e avós trabalharam.

A intensividade do trabalho foi diminuindo...
Sim, e com custos, libertando imensa mão-de-obra. As condições mudaram radicalmente nos têxteis e na metalurgia, por exemplo. Mas ainda hoje encontramos nos jovens essa ideia de que é um trabalho duro, que não dignifica. Estamos a fazer um esforço para desmistificar essa ideia e convencê-los a entrar nestas profissões. São aquelas que geram mais ofertas de emprego.

Há muita gente que tirou uma licenciatura mas que não encontra emprego. É assim com todos os cursos?
Neste momento teremos uma ou duas profissões que não têm desempregados: a Medicina, a Engenharia de Sistemas, a Engenharia Têxtil (onde, por causa do estigma à volta do sector, até há dificuldade em constituir turmas na Universidade do Minho, a única onde existe o curso). Mas noutras Engenharias já não se passa isso.

Vale mais uma formação intermédia que um curso superior?
Temos jovens com o 12.º ano de formação profissional que ganham 1500 euros na Galiza, também os temos a ganhar 800 ou 1000 logo à entrada em Portugal, em áreas como a Electromecânica. Em contrapartida, temos licenciados a ganhar menos. Apesar de ser uma decisão difícil, até devido à velocidade com que as coisas se alteram, é importante que se faça uma escolha em função do mercado de trabalho. Concordo que a vocação e o interesse são muito importantes. Mas temos de ter em conta a saída da formação. Nós temos serviços de informação e orientação, para ajudar as pessoas a decidir.

E qual é o seu conselho?
Em muitas circunstâncias não tenho dúvidas de que é preferível fazer um 12.º ano com formação profissional em determinada área, que dá empregabilidade, rendimento e que passados uns seis anos de boa experiência profissional pode dar origem a um bom empresário, do que uma licenciatura de dificil empregabilidade na qual, mesmo com um emprego, as possibilidades de progressão são limitadas...

E quais são as áreas mais procuradas?
Pelos jovens ou pelas empresas? É que esse é um problema! Como regra geral, grande parte da oferta das empresas ainda anda à volta das chamadas profissões tradicionais, das quais os nossos jovens fogem. É dificil compatibilizar as vontades de uns e de outros. Veja um exemplo: as energias alternativas são uma grande oportunidade para o país. A Enercom instalou uma fábrica em Viana, para construção de torres e pás eólicas. E quais são as profissões que mais necessitam ali?

Soldadores, serralheiros, ou electricistas. Terá engenheiros, claro, mas quem faz as pás e as torres e as instala são os outros e essas continuam a ser profissões que proporcionam os melhores rendimentos. Noutra fileira importante para o país, a das madeiras, temos secções de formação para marceneiros paradas, por falta de formandos.

Em 170 mil inscritos no IEFP, 105 mil não têm o nono ano

Há quem defenda que é irresponsável falar, no curto prazo, numa descida forte do desemprego na região. Concorda?
Tenho de concordar. Nos últimos anos temos sentido uma diminuição do número de inscritos (claro que há sempre essa diferença entre os dados do IEFP e os do INE, mas essa divergência está a diminuir). Em 2007 diminuímos mais de 30 mil inscritos. Aqui entra uma maior oferta de emprego, mas também uma nova legislação sobre o subsídio de emprego que, através da obrigação da apresentação quinzenal, torna mais difícil às pessoas estarem inscritas e a receber subsídio, e muitas vezes a trabalhar em simultâneo, principalmente no estrangeiro. Isto fez com que muitas pessoas que estavam em Inglaterra ou aqui na Galiza, etc., deixassem de estar inscritos. Agora, não temos dúvidas que, atendendo às características dos nossos inscritos, vai levar de facto muito tempo a recuperar. E eu diria - arriscando-me a ser polémico, porque isto tem sempre duas perspectivas - que ainda bem. É sinal de que estamos a apostar em novas indústrias e serviços. O que temos de fazer é qualificar estas pessoas para as trazer para estes novos sectores. Em 31 de Dezembro de 2007, dos mais de 170 mil inscritos, 105 mil não tinham completado o nono ano. Este é que é o grande problema.

Quais são os concelhos com situação mais preocupante?
Sem ir ao detalhe do concelho, diria que os núcleos com maiores problemas são os Vales do Ave e Cávado - e aqui mais Barcelos do que Braga - e a grande Área Metropolitana do Porto. Já no Alto Minho temos falta de mão-de-obra, não obstante haver investimentos que procuram essa região. Em Trás-os-Montes e Alto Douro, o desemprego é menos preocupante. Há pouca oferta, mas também há pouca dinâmica populacional. Temos depois a região do Entre Douro e Vouga que gera muito desemprego - não podemos esquecer que foi aqui que fecharam as multinacionais do calçado e das cablagens, etc. - mas também, pela sua dinâmica, tende rapidamente a absorver esse desemprego. O maior problema é mesmo o Vale do Ave.

Devido ao impacto das importações da Ásia?
Já teve mais efeitos. Assistimos hoje, por parte da indústria, a uma certa fexibilidade. A China foi um problema há dois, três anos, mas muitos dos clientes da nossa indústria que se passaram para o Médio e Extremo Oriente estão a regressar. Há factores que interferem nestas opções que não têm que ver só com o custo de produção. Nos prazos de entrega e na qualidade, a China e outros países não conseguiram corresponder às expectativas desses clientes.

Não se verificou, então, o caos que se previa há dez anos com o fim das restrições à importações asiáticas?
Não. As empresas resistiram e as que tinham de fechar fecharam. Grosso modo, fecharam as que faziam a subcontratação. E esse foi sempre o nosso problema. Evoluímos tecnologicamente, mas, apesar dos fundos comunitários, não conseguimos passar do trabalho intensivo para o trabalho criativo, para termos o produto.

Há falta de mão-de-obra no Alto Minho, mas os ordenados puxam as pessoas para a Galiza

2007 foi um ano negro para a construção civil, com uma quebra de seis por cento no emprego. A emigração é a salvação das vossas estatísticas?
Tem grande influência, a esse nível da construção civil. E preocupa-nos. O sector em Portugal tem uma empregabilidade acima da média da Comunidade Europeia. Estamos à espera de grandes projectos, como o TGV e o aeroporto, mas o número de obras colocadas à disposição das empresas tem decrescido. E é por isso que temos nalgumas regiões, como a do Sousa e do Tâmega, muita gente a atravessar a fronteira.

Com a crise instalada no sector em Espanha, há respostas para enfrentar o previsível regresso desses milhares de trabalhadores?
Não é fácil. É evidente que estamos a lançar algumas grandes obras na região, como o TGV, o túnel do Marão e a A4 até Bragança. Mas também e preciso ver que algumas dessas pessoas não são oriundas do sector. Em Barcelos, muitos homens que saíram da têxtil foram para a Galiza para a construção e terão que passar por processos de requalificação para terem acesso a outras áreas de actividade em que mais facilmente possam encontrar um posto de trabalho.

E há mercado de trabalho para essa gente?
Esse é um dos grandes desafios que, neste momento, se colocam ao IEFP e ao nosso país. É que, havendo falta de mão-de-obra no Alto Minho, à partida não deveria ser complicado que pessoas de Barcelos, Braga e até Famalicão fossem para aí trabalhar...
... Para receber 500 ou 600 euros por mês e com o custo da deslocação?

Esse é o cerne da questão. Ainda há uns meses estive em Valença com uma empresa de capitais italianos e espanhóis que produz componentes automóveis para o complexo da PSA, que tem 200 trabalhadores e pretende chegar aos 500 daqui a um ano, mas quer pagar o salário mínimo. É evidente que por valores destes ninguém se desloca de Barcelos, a pagar portagem.

E a falta de mão-de-obra pode condicionar os investimentos no Alto Minho?
Tenho-me reunido várias vezes com o presidente da Câmara de Valença, que está preocupado com a falta de mão-de-obra para os investimentos em carteira. Mas quem vai de Barcelos para Valença ganhar 500 ou 600 euros se, andando mais dois quilómetros, pode passar a ganhar 800 ou mil? A questão salarial levanta-nos ainda outra dIficuldade, pois estamos a formar jovens para algumas profissões que, face às disparidades, as vão exercer para fora do país. Na hotelaria, tivemos jovens formados pelo IEFP, com o 12.º ano, que foram para a Galiza ganhar 1500 euros, enquanto temos multinacionais que oferecem 750 euros a licenciados. É uma contradição à qual não é fácil dar resposta.

Quer isto dizer que, em termos de trabalho, a geografia mudou e o mercado já não se confina à região?
Assim é. O primeiro mercado é o Norte de Portugal e a Galiza, não só pela proximidade, mas também pela dinâmica de crescimento que ali se regista e que requisita muitos dos nossos trabalhadores. Mas podemos falar na Península Ibérica, até porque o IEFP e o INEM [Instituto Nacional de Emprego, de Espanha] vão alargar a toda a fronteira a experiência que no Norte temos, de há dez anos para cá, com a Galiza, com serviços informatizados que permitam a recepção de ofertas de um lado e do outro. Para além de nos ajudar a resolver o problema do desemprego - que eles também têm, ao nível do sector da saúde, por exemplo - vai concorrer para uma aproximação dos níveis salariais que se praticam de um lado e de outro da fronteira.

E as ofertas de emprego vêm só de Espanha?
Semanalmente recebemos e colocamos no nosso site na Internet informação de empresas que vêm a Portugal seleccionar trabalhadores para a Noruega, a Alemanha, a França, Dinamarca, a Inglaterra - que anda à procura de gente na área da restauração e hotelaria. No serviço Eures, na Internet, há provavelmente mais de um milhão de ofertas para toda a comunidade europeia, que são trabalhadas em segurança, para combater esses exemplos de pessoas que vão sem qualquer apoio e se dão mal.

O que é preciso fazer?
Se hoje um trabalhador for ao nosso site e encontrar uma oferta que lhe interesse em qualquer país da União Europeia, ele pode dirigir-se a um centro de emprego que lá encontrará um conselheiro Eures preparado para contactar o técnico de emprego que trabalha naquela região, de modo a saber de que tipo de oferta se trata, quem é a empresa... E depois há ainda um apoio mais abrangente, para encontrar casa, saber quanto custa uma renda. O trabalhador vai encaminhado de um técnico para outro técnico que lhe garante o apoio necessário.

E há muitos candidatos para este tipo de ofertas?
Ainda há algum comodismo. Os nossos jovens ficam em casa até aos 25 anos, fazem a sua licenciatura. Dar este passo acontece com milhares de jovens - alguns começam com a experiência do Erasmus - mas há muitos que podiam e que, por diversos factores, não o dão. Dado o número de licenciados que temos, podia ser maior a procura.

Muitos desses licenciados no desemprego têm currículos carregados de habilitações, mas sem qualquer de experiência. É esta a "geração dos 500"?
A maioria dos desempregados licenciados na Região Norte são pessoas que já trabalharam. E nem todos são jovens. Quando a Lear fechou na Póvoa de Lanhoso, dos 800 empregados, 300 eram quadros superiores. O Norte tem 16 mil licenciados empregados, mas só metade são recém-licenciados.

Cantinho do Emprego
http://cantinhodoemprego.blogspot.com/

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